A fábrica da General Motors na Azambuja (I)

50 ANOS APÓS O D-L 44104 - 2º PARTE

A fábrica da General Motors na Azambuja (I)

Na sequência do último número da “T&C", onde iniciámos um trabalho para assinalar os 50 anos do polémico Decreto-lei 44104, conhecido por “Lei da Montagem", vamos abordar hoje a fábrica de automóveis e camiões da General Motors em Portugal.

 

A General Motors da Azambuja, foi não só uma das primeiras como foi também uma das que conseguiram sobreviver durante mais tempo, tendo até se expandido, mesmo após o 25 de Abril de 1974. Infelizmente, no meio de razões ainda pouco claras, acabou por encerrar no final de 2006.

As fundações para a fábrica foram iniciadas no dia 15 de Outubro de 1962 e a construção do edifício da fábrica começou no dia 1 de Dezembro desse ano, tendo demorado cerca de 8 meses até estar pronta a laborar.

O director da GM para a Europa, o Sr. H. Quade, veio a Portugal para receber as chaves da nova fábrica, das mãos do responsável da empresa que construiu as instalações e para assistir à produção da primeira viatura para o mercado nacional.

O primeiro veículo montado na General Motors da Azambuja foi um camião ligeiro Bedford modelo J2LC7, de 3.500 kg, que deixou a linha de montagem no dia 24 de Agosto de 1963. Foi um momento histórico para a empresa que ficou registado em foto tirada ao camião, rodeado pelos técnicos e operários que participaram na sua construção.

Os planos iniciais apontavam para uma capacidade de montagem de 4 mil automóveis por ano e mil camões, com cerca de 320 trabalhadores.

A fábrica foi inaugurada oficialmente no dia 17 de Setembro de 1963, com solenidade e destaque nos órgãos de comunicação social. Não foi a primeira, porque antes dela tinha sido inaugurada, em Setúbal, a fábrica da marca espanhola Barreiros, para a montagem de camiões e motores (que será abordada neste espaço num futuro artigo) e onde eram montados os Volkswagen já aqui apresentado no último número c “T&C”. Mas a GM foi, quase em simultâneo com a sua vizinha Ford, das primeiras a montar automóveis o que lhe valeu um enorme destaque na imprensa especializada. O evento contou com visitas de chefes de estado e altos cargos da General Motors Corporation. Estiveram nesse dia na Azambuja John F. Gordon, Presidente Executivo da General Motors Corporation, E.C. Dau Director Geral da divisão General Motors Overseas, que se deslocaram dos EUA expressamente para evento, o Ministro das Obras Públicas e das Finanças, o subsecretário de Estado da Indústria, representantes das Forças Armadas, vários representantes de outros ministérios, vários organismos oficiais, empresas e altas individualidades nacionais. Estiveram também presentes os representantes diplomáticos dos Estados Unidos da América, da Inglaterra e da Alemanha. Do lado das ausências destaca-se a mais relevante, o então Presidente da República, Américo Tomás, que por motivo de viagem a Angola não pode comparecer.

Na imprensa escrita foram publicados vários artigos sobre a importância que esta fábrica poderia vir a ter na industrialização do nosso país, o seu contributo para a criação de riqueza e para evitar a saída de divisas. Teceram-se vários comentários sobre a sua viabilidade e várias questões acerca da dimensão, considerada algo exagerada para o tamanho do nosso país. Questionava-se, também, se fazia sentido a abertura de tantas unidades fabris, que estavam já planeadas ou em construção, num país tão pequeno como o nosso.

É sobre algumas destas considerações e sobre a importância da fábrica da GM da Azambuja que vamos falar hoje, relatando também um pouco do que se passou na altura e como era a fábrica no início.

No discurso inaugural o Sr. G. H. Minor, Gerente da General Motors de Portugal, começou por expressar o seu reconhecimento a todos os presentes e agradeceu aos arquitectos e engenheiros portugueses, que projectaram as instalações, reconheceu ainda o trabalho realizado pelas empresas portuguesas, que construíram e montaram as máquinas e equipamentos, não esquecendo uma palavra de apreço, pelo apoio dado à obra, por parte do Município da Azambuja.

Relativamente à decisão da General Motors de construir uma fábrica em Portugal, disse que esta já fazia parte dos planos da multinacional, mesmo antes da publicação do Decreto-Lei 44104, tendo para isso adquirido terrenos na zona industrial de Lisboa, que acabou por não utilizar para esse efeito, uma vez que o Decreto-Lei impedia a instalação de fábricas em Lisboa, Porto ou nos concelhos limítrofes. Os terrenos de Lisboa, situados em Cabo Ruivo, serviram para a instalação do centro de distribuição e escritórios da General Motors de Portugal que começou a ser construído em 1963.

O Decreto-Lei acabou por acelerar os planos da General Motors mas obrigou a empresa a procurar outro local para a instalação da fábrica, tendo a escolha pela Azambuja sido aprovada pelas autoridades no dia 31 de Maio de 1962. O terreno tinha uma área total de 193 mil metros quadrados, ocupando-se inicialmente 116 mil metros, 11 mil dos quais em área coberta e os restantes ficaram de reserva para uma eventual expansão.

O custo total da obra ultrapassou na época os 62 milhões de escudos, embora as previsões apontassem para um custo na ordem dos 65 milhões, um valor bastante elevado se tivermos como referência o custo de um automóvel Opel Kadett que não ia além dos 55 mil escudos. Ao valor que custou a fábrica, acresce ainda o valor das instalações em Cabo Ruivo que rondou os 29 milhões.

No dia da inauguração oficial já se montava na GM da Azambuja o camião Bedford modelo J/TJ, que tanto sucesso teve no nosso país, sendo apenas ultrapassado pelo seu irmão de cabina avançada, Bedford modelo TK, que também foi fabricado na Azambuja. Na linha de montagem estavam expostas as 3.266 peças necessárias ao fabrico de um camião, para que os presentes tivessem a noção da complexidade de uma viatura destas e referia-se que a complexidade de um Opel Rekord ou de um Vauxhall Victor, era superior a 5.000 peças. Hoje em dia estes números conseguem sacar um sorriso do nosso rosto, quando pensamos na quantidade de peças necessárias para o fabrico de um pequeno automóvel actual que ultrapassam já as 25 mil.

Todos os veículos eram testados em pista e alvo de um apertado controlo de qualidade. Estava previsto arrancar com a montagem do Opel Rekord, Opel Kadett, Vauxhall Victor e do pequeno Vauxhall Viva 1000 até ao final de 1964. A fábrica começou a trabalhar num turno com apenas 243 funcionários, mas rapidamente chegou aos 300 funcionários, sendo a maior dificuldade encontrada, tal como já foi mencionado no artigo acerca da fábrica de montagem de Volkswagen, o recrutamento de pessoal especializado.

Esta dificuldade, obrigou a General Motors a dar formação adequada aos funcionários, para conseguir garantir os níveis de qualidade exigidos na indústria automóvel. Muitos foram enviados para fábricas da General Motors em Inglaterra, Bélgica, Alemanha e Suíça, para receberem treino intensivo e para poderem posteriormente transmitir esses conhecimentos, aos funcionários das linhas de produção. Estiveram também em Portugal funcionários especializados da fábrica da General Motors em Antuérpia e funcionários especializados da Vauxhall e da Opel, para auxiliar no treino dos funcionários portugueses.

O Sr. Minor referiu ainda que “... pelo nosso contacto com os trabalhadores portugueses pudemos observa que a qualidade da mão-de-obra local é extremamente satisfatória. Verificamos que, o trabalhador português é de fácil adaptação, inteligente e dedicado. Os técnicos estrangeiros das outras organizações da GM partilham igualmente desta opinião.”

No final do discurso foram mencionadas as boas condições de segurança e bom ambiente de trabalho necessários para garantir a motivação dos funcionários e a obtenção de bons resultados, que sejam proveitosos e duradouros para a General Motors e para Portugal.

Do discurso proferido pelo Presidente da Genera Motors Corporation, John F. Gordon, destacamos algumas frases que, face à nossa realidade, não deixam de nos fazer reflectir sobre o que sucedeu nos anos seguintes até chegarmos à data actual.

Segundo as palavras de John F. Gordon, tudo indicava que Portugal estava prestes a dar o salto rumo ao progresso e foi com base nisso que a General Motor acreditou no nosso país como mais um mercado para expandir o seu negócio. O presidente da maior fábrica de automóveis do mundo disse: “Tem-me causado óptima impressão a estabilidade económica de Portugal e a solidez da sua política financeira. As instalações hoje inauguradas representam um investimento importante Desejo salientar que, qualquer investimento, pequeno ou grande em relação à estrutura total da Genera Motors, requer plena justificação sob o ponto de vista da sua vantagem económica, tanto para a GM como para o país onde é feito.

Na nossa opinião, este novo investimento justifica-se por dois motivos. Primeiro: temos fé no futuro de Portugal.

Com uma longa história de Governo estável e um crescimento recente acelerado do Produto Interno Bruto (PIB) graças aos bem delineados planos de desenvolvimento, a economia portuguesa expande-se rapidamente. Estes factos, aliados à estabilidade do escudo e à disponibilidade de uma excelente mão-de-obra, proporcionam um ambiente propício a novos investimentos.

Segundo motivo: se a expansão da economia portuguesa acompanhar o ritmo observado noutros países — e não vemos razão para julgar o contrário — pensamos que haverá necessariamente uma maior procura para os nossos produtos”. E, após mais algumas considerações sobre a indústria automóvel a nível internacional, terminou o discurso dizendo: “Nós aguardamos com grande confiança a enorme contribuição que a indústria de montagem de automóveis virá trazer à economia de Portugal e ao bem-estar do povo português”.

Embora tenha sido um discurso feito sob os olhares de um regime de ditadura, não podemos esquecer que eram as palavras de alguém com uma visão global do mundo e que desempenhava um cargo de topo ao nível da indústria mundial. Não quero, nem me compete, fazer aqui avaliações políticas, posso no entanto mencionar factos históricos que, eventualmente, poderão ser mais ou menos polémicos, dependentemente de quem os ler ou da forma como forem interpretados.

Na data da inauguração da fábrica da GM na Azambuja, já chegava a 25 o número de autorizações pedidas ao estado português para a montagem e fabrico de automóveis em Portugal. Face a este tão elevado número de pedidos, para um país tão pequeno como o nosso, muitos eram os que se questionavam sobre a viabilidade destas indústrias e achavam excessivo o número de unidades de fabrico. Aos olhos actuais, parece-nos evidente que na ausência de uma política de expansão para o exterior, por parte dessas indústrias, o insucesso seria o mais óbvio dos destinos para a grande maioria, estando o sucesso garantido apenas para os maiores e mais fortes que tivessem capacidade de expansão para a exportação.

Sem dúvida que a GM estava no topo da lista dos que teriam o futuro garantido e isso foi o que a história nos mostrou até ao ano de 2006.

A fábrica era constituída por amplas instalações, separadas no seu interior por várias secções. Como não havia secção de prensas e estampagem, as peças eram importadas de outras fábricas da GM e recebidas no armazém de logística, sendo a partir daí distribuídas pelas várias áreas de montagem. A primeira era a área das carroçarias, onde se procedia à soldadura eléctrica por pontos e soldadura oxi-acetilénica das várias peças de chapa que compunham as carroçarias dos automóveis ou camiões. Depois era a fase de preparação de chapa, ou fase de acabamentos, com operações de passagem à lixa, seguindo-se a montagem das portas, capot e guarda-lamas, antes de se iniciar o processo de preparação para a pintura, com o desengorduramento por processos químicos e lavagem. De seguida, as carroçarias eram secas numa estufa própria e passavam para a aplicação do primário, seguindo-se mais uma fase de secagem, noutra estufa, antes da preparação da superfície com remoção de impurezas com lixa de água e de entrar em mais uma estufa, esta era a última antes da pintura propriamente dita. Na área da pintura começava-se por aplicar uma 1º demão, que seria seca num forno, seguindo-se uma segunda e novamente o cozimento em mais um forno. O passo seguinte, era a preparação para enviar para a linha de montagem, onde, no caso dos camiões já tinham sido montados, rebitados e aparafusados o chassis, para receberem as molas os eixos, o sistema de travagem, os motores e caixas de velocidades numa área própria.

O processo de montagem contemplava também numa outra sub-secção, a montagem dos interiores e cablagens eléctricas, bem como de todas as peça exteriores e acessórios, culminando tudo na montagem da cabina no chassis do camião. No final procedia-se a uma inspecção, antes de se efectuar os vários testes que asseguravam o bom funcionamento do veículo. Algumas destas fases de fabrico e montagem, podem ser vistas nas fotos que ilustram este artigo. O processo de montagem dos automóveis era semelhante, embora um pouco mais complexo.